A Copa do Mundo de 1966 – Os polichinelos de Manga

O goleiro Manga não gostava muito de levantar peso. E nem de polichinelos. Talvez devesse ter gostado, poderia com isso ter mudado o rumo de uma partida, o fatídico jogo contra Portugal na Copa do Mundo de 1966. O registro consta nas páginas de Goleiros, heróis e anti-heróis da Camisa 1, do jornalista Paulo Guilherme. Uma obra completa sobre o mundo ensimesmado, estrambótico e surreal desses exóticos, os goleiros. Arqueiro que deu data ao Dia do Goleiro – 26 de abril, dia de seu nascimento –, Haílton Corrêa de Arruda, o Manga, é um dos atletas do gol mais vencedores do futebol brasileiro e internacional que, paradoxalmente, não teve sucesso na Seleção Brasileira. Coisas da vida – vida de goleiro. A de Manga merece não apenas uma crônica; merece um livro. Nosso personagem de hoje nasceu dentro do futebol: tinha três irmãos boleiros. A galeria de títulos do lendário goleiro do Botafogo é espantosa.

A Copa do Mundo de 1966 foi sacramentada com uma das maiores polêmicas da história do futebol, quando um dos gols da vitória da Inglaterra foi validado e em seguida contestado pelos alemães (no caso, até hoje). Entrou ou não entrou a bola? Dois estudos feitos por universidades inglesas chegaram a conclusões contrárias: um dizendo que tocou na linha e outro que a bola cruzou a linha. Independentemente dos universitários, Inglaterra campeã. Foi um mundial disputado num dos países com mais transformações culturais daquele momento, mas isso não se refletiu no comportamento “caseiro” da arbitragem. Ganhou a Rainha Elizabeth, que, dizem, bateu algumas palmas meio chochas. Anos depois, na Copa da África do Sul, o goleiro alemão Manuel Neuer escondeu da arbitragem uma bola chutada de longe e que cruzou a linha: seria gol aos ingleses. A trapaça de Neuer vingou a final de 1966, segundo o ponto de vista dos alemães.

A Seleção Brasileira foi totalmente desorganizada para o torneio mundial, tal como vimos nas edições de 1930/34. Foi convocado um número absurdo de jogadores (mais de 40), chegando o Brasil na Copa sem um time definido. No gol, foram testados atletas dos estados do Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco, mas no fim prevaleceu o óbvio: Gylmar ainda estava em atividade e foi o titular. Era considerado um vencedor e referência nacional para todos os goleiros. Entre os goleiros testados estava Valdir de Morais, do Renner de Porto Alegre. Valdir foi responsável, anos depois, pela implantação de uma verdadeira revolução no treinamento de goleiros. Manga, do Botafogo, foi convocado para a reserva, e, após a lesão do titular Gylmar no segundo jogo, virou titular. Sobrou para Manga enfrentar Eusébio, o craque da Copa. No jogo, os portugueses bateram tanto que Pelé, a única esperança do Brasil, que ele saiu carregado do gramado, numa das imagens mais comoventes da Copa. Manga decepcionou o torcedor brasileiro ao tomar gols bisonhos nessa partida. Nunca mais foi lembrado para o gol da Seleção, o que não o impediu de se tornar um multicampeão e ídolo em times como Botafogo (Taça Brasil), Nacional do Uruguai (Libertadores e Mundial de Clubes) e Internacional (bicampeão brasileiro). Se examinarmos um pouco, Manga nem pode ser considerado um nome de goleiro tão estranho assim. Os anos 1960 produziram artistas das redes como Vivas e Camelo, que defenderam a Espanha nas Copas de 62 e 66; e Escuti (Colo Colo), Suly (São Paulo) e Prosperi (Lugano), nomes que estiveram debaixo das traves. Isso sem falar na dupla Gelei e Antal (ambos da Hungria). Nada, contudo, supera o nome de Lula Monstrinho, goleiro do Clube Náutico do Capibaribe, do mesmo Estado em que nasceu Manga.

O goleiro Manga foi um vencedor nos gramados. Alguém com uma particularidade física tão ímpar (a série de lesões não curadas em dedos quebrados, luxados, deslocados, tortos) esteve ao lado dos grandes títulos de inúmeros times. Na final do Campeonato Brasileiro dos anos de 1975/76, os dedos de Manga fizeram milagres e viraram símbolo da batalha de todos os goleiros. Só Castilho o superaria nesse item dedos. “O Homem dos Dedos Tortos”, contudo, foi protagonista de um dos maiores frangos da história das Copas, vestindo a camisa que um dia foi de imorais goleiros como Barbosa, Castilho e Gylmar. No currículo de Manga há também um gol contra, feito ao chutar a bola na nuca de um atacante, e o feito incrível de conseguir marcar um gol de arco a arco, com um balão, numa saída de bola. São tantas histórias envolvendo Manga que consta que até tiro disparado pelo comentarista João Saldanha, a título de uma desavença. Quase o acertou. Fico, porém, com os polichinelos. Esteticamente eles explicam melhor o fiasco de Manga na Copa de 1966.

A longa carreira de Manga é cheia de extravagâncias. Na Copa não seria diferente. Tal como Barbosa, ele foi considerado culpado pela derrota.

Novembro de 2022

2 comentários em “A Copa do Mundo de 1966 – Os polichinelos de Manga”

  1. Tiago Sozo Marcon

    Ótimo texto, Ed! O grande Manga merece uma homenagem assim, e até um livro..olha aí que outro projeto bacana pra ti!

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