A copa do mundo de 1934 – Combinado com o Divino

Poucos sabem que o primeiro ídolo do futebol brasileiro foi um goleiro. O registro aparece no livro Goleiros: heróis e anti-heróis da camisa 1, de Paulo Guilherme: o primeiro ídolo do futebol brasileiro não foi Arthur Friedenreich nem Leônidas da Silva. Segundo Guilherme, nosso primeiro herói foi o goleiro Marcos Carneiro de Mendonça, atleta do Fluminense Football Club, que foi carregado pela torcida depois de fechar o gol na decisão do Campeonato Sul-Americano de 1919, o primeiro título internacional importante do futebol brasileiro. Até então, o Brasil não era nada.  Chegou atrasado na galeria de campeões sul-americanos. Tal como os goleiros, cuja posição não nasceu junto com o futebol – somente onze anos depois foi criada. Os ingleses perceberam que era preciso um atleta que impedisse o gol. Nascia o goleiro, o guarda-redes, o único jogador que poderia apanhar a bola com as mãos para evitar o espetáculo, o que todos queriam ver: o gol

A Copa do Mundo de 1934 aconteceu na Itália, a primeira na Europa, um continente sob a pressão do fascismo italiano e do crescimento do nazismo na Alemanha. As tensões políticas marcaram as duas Copas disputadas antes da Segunda Guerra Mundial. Os jogadores italianos foram pressionados para ganhar o Campionato Mondiale Di Calcio, e o ditador Mussolini ofereceu jantar a convidados um dia antes da final, entre eles o árbitro sueco que apitaria a final da competição. Combi, o goleiro e capitão da Azzurra, ergueu a taça sob os olhares de aço de Benito Mussolini, após a seleção italiana derrotar a Tchecoslováquia por 2 a 1. O melhor goleiro da Copa foi Ricardo Zamora, da Espanha. Ele e Combi não devem ter combinado isso – ser campeão do mundo e ainda ser eleito o goleiro da Seleção da Copa (depois Prêmio Yashin, hoje Luva de Ouro) nunca foi tão comum assim na história das Copas. Itália e Espanha se enfrentaram nas quartas-de-final, eles devem ter se cumprimentado, mas foi preciso um jogo de desempate para que Giuseppe Meazza marcasse o gol da vitória em Zamora, o “Divino” como era chamado o espanhol. Assim, um levantou a taça, outro, o prêmio máximo. Um Mussolini, outro Franco.

Embaixo das traves quadradas da época, o gol brasileiro foi defendido por Pedrosa, com Germano na reserva (até 1966, eram permitidos só dois goleiros). Roberto Gomes Pedrosa, o titular, era um jovem, tinha exatos 19 anos, e por influência política escanteou bons goleiros da época. Na Copa, diante dos experientes goleiros europeus, o quíper brasileiro não conseguiu segurar La Furia. Os espanhóis venceram por 3 a 1. Leônidas da Silva, a lenda, deixou sua marca naquele jogo. Quatro anos depois, ele seria o craque do Brasil na França. Quanto a Pedrosa, anos depois deixou o futebol para cuidar das finanças da família, virou cartola do São Paulo e deu até nome ao Torneio Roberto Gomes Pedrosa, que antecedeu o Campeonato Brasileiro no final da década de 1960.

Combi ergueu a taça. Zamora, o prêmio de melhor goleiro da Copa. Aqui no Brasil, a mesma história de 1930. A falta de preparação da Seleção Brasileira beirou o absurdo. A escolha de um jovem e inexperiente goleiro era o signo da derrota, nesta que foi a Copa em que o Brasil teve seu pior desempenho: 14o lugar dentre as dezesseis nações. O gol brasileiro poderia ter sido bem melhor defendido. Na época, jogava pelo Grêmio Foot Ball Porto-Alegrense o arqueiro Lara, o Índio de Uruguaiana. Em alta fase, ídolo e imortalizado no hino do clube, Lara acabaria por morrer em 1935 de tuberculose, dois meses depois de conquistar o Campeonato Gaúcho do Centenário Farroupilha ante o Internacional, em jogo épico. O fiasco brasileiro na Copa do Mundo de 1934 só é comparável à deselegância de Rui Barbosa, grande jurista e orador, líder da Campanha Civilista de 1910, mas responsável por mandar queimar todos os documentos relacionados aos 300 anos da escravidão do homem negro no Brasil. Em 1916, Rui Barbosa impediu os jogadores da Seleção Brasileira de embarcar no navio Júpiter para disputar o Sul-Americano em Buenos Aires. A justificativa: não deixaria aqueles “malandros” subir na embarcação. Viajaram de trem durante cinco dias. No final, perderam aquele campeonato.

O capitão Combi ergueu a taça; Zamora foi eleito o melhor goleiro da Copa. O brasileiro Pedrosa abandou o futebol para ganhar dinheiro. Outro malandro, segundo o civilista e orador Rui Barbosa.

Novembro de 2022

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