A Copa do Mundo de 1982 – O pesadelo do Sarriá

Conhecidos por seus visuais arrojados, cabelos compridos, camisas coloridas e outros arroubos de personalidade, os goleiros brasileiros dos anos 1970 fizeram história e marcaram a posição nas décadas seguintes. E como qualquer outro jogador de futebol, tiveram seus altos e baixos, seus pesadelos. Se na velhice Barbosa declarou numa entrevista que cumpria pena há mais de quarenta anos pelo gol sofrido na final de 1950, Waldir Peres, o titular do gol brasileiro em 1982, viveu um verdadeiro tormento durante a Copa da Espanha – e depois. Teve que retirar os filhos da escola onde estudavam tal foi a zoação. Tudo por conta de um frango sofrido no jogo da estreia diante da União Soviética. O frango, sabemos, é tão antigo como o próprio goleiro. Paulo Guilherme, em seu Goleiros, heroi e anti-herois da camisa 1, enumera casos curiosos, como se o frango não fosse esdrúxulo por si só. No caso de Waldir Peres, o sonho do título virou sonho ruim. No conto “O sucesso”, de Adriana Lisboa, parte do livro Entre as quatro linhas: contos sobre futebol, duas meninas passeiam pelas ruas enfeitadas de seu bairro em plena Copa de 82, mas os fatos acontecem logo após a derrota brasileira para os italianos. No conto, elas lamentam o fato de Paolo Rossi ser tão bonitinho e ter eliminado o Brasil, e enquanto pensam isso, os meninos roubam a bola nova que uma delas tinha recém-ganhado, algo mais ou menos como roubar os sonhos, como perder uma Copa.

A Copa de 1982 foi realizada na Espanha. Mais uma vez, a escolha do Campeonato Mundial guiava-se por interesses econômicos, e a essa altura o futebol já era uma mercadoria valiosa, a ser negociada, p.ex., com o regime franquista. Muitos craques passaram por essa Copa, e entre eles a galáxia de ótimos jogadores brasileiros, a ponto de todos por aqui acreditarem que tínhamos o melhor time desde 1970. De fato, Nelinho, Oscar, Júnior, Falcão, Toninho Cerezo, Sócrates e Zico eram realmente extraordinários. Já na estreia, naquele mesmo jogo em que Waldir Peres tomou um frango de um chute mirrado de longa distância do meia russo, naquele jogo, vencido por 2 a 1 pelo Brasil, Socrátes e depois Nelinho fizeram verdadeiras obras-prima de gols. Duas pinturas. Era o tempo de Step Maier (Alemanha), Dino Zoff (da campeã Itália) e Dasaev (U.R.S.S.), e foi, nada mais nada menos, do que a elegância, a agilidade e o senso de posicionamento do arqueiro russo que os galácticos tiveram que superar. Quem assiste a essa partida hoje em videotape, vai notar o trabalho árduo de Dasaev, mas o experiente guarda-metas soviético deu uma aula de atuação no gol. Um verdadeiro bailarino russo debaixo das traves, igualável ao seu compatriota Lev Yashin. O Brasil sofreu para alcançar a terceira fase porque teve a pedreira da Argentina pela frente (com direito à voadora de Maradona na boca do estômago de Batista), para só então chegar ao fatídico jogo com a Itália de Paolo Rossi. A empáfia de nossa defesa permitiu que o time italiano ficasse à frente no placar por três vezes, porque três vezes anotou Rossi. Escrevia-se ali um dos capítulos mais trágicos do futebol brasileiro: A Tragédia do Sarriá (o nome do estádio em Barcelona). Waldir Peres levou a culpa; começava ali o seu infortúnio. As ruas coloridas do conto de Adriana Lisboa ficaram em silêncio.

O Brasil levou para a Copa, além de Waldir Peres, os goleiros Carlos e Paulo Sérgio. Esse último não teve carreira prolongada na Seleção, e na Copa seguinte já não aparece entre os convocados. Diferente caminho tomou Carlos, não menos trágico contudo. Em 1986, já titular, Carlos veria a trave devolver em suas costas a cobrança de um dos pênaltis, suficiente para tirar o Brasil daquela Copa. Na Espanha, Waldir Peres chegou como ídolo do São Paulo, clube em que foi multicampeão paulista e vice-campeão brasileiro em 1981, ocasião em que o centroavante Baltazar, do Grêmio Foot Ball Porto-Alegrense, acabou com seus sonhos em pleno Morumbi com um golaço de fora da área. A trajetória de Waldir Peres, aliás, segue a escrita dos goleiros exibicionistas dos anos 1970. De longas suíças e cabelos longos (antes da calvice), usava sempre cinza claro e gostava de provocar cobradores de pênaltis. Por conta disso, em 1977 ele conseguiu que os jogadores do Atlético Mineiro, entre eles Toninho Cerezo, chutassem para fora três bolas. São Paulo campeão. O ídolo são-paulino nunca mais teve espaço na Seleção depois do Sarriá.

O absurdo, ao se rever os jogos do Brasil contra União Soviética e Itália, é verificar o fato de que Waldir Peres não foi exatamente o culpado – mas carregou a culpa. No dia do jogo contra os italianos, pipas voavam no Estádio Sarriá enquanto o Brasil assista bestializado a Paolo Rossi meter três gols em Waldir Peres. Na rua colorida do conto de Adriana Lisboa, as duas meninas aprenderam um pouco sobre a vida e outro tanto sobre futebol. Os filhos de Waldir Peres também.

 Dezembro de 2022

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