A Copa do Mundo de 1998 – O goleiro na estrada

Em seu livro Goleiros: heróis e anti-heróis da camisa 1, Paulo Guilherme conta a história do encerramento da carreira de Cláudio Taffarel, tetracampeão em 1994, titular em três Copas do Mundo e conhecido pelas penalidades máximas defendidas nos momentos decisivos da Seleção Brasileira. Em 1998, na França, ele foi vice-campeão e se despedia do torneio (e praticamente da Seleção). Tempos depois, dirigindo seu carro por uma estrada da Itália, o goleiro brasileiro deslocava-se em direção à sede de seu novo clube, no caso, o mesmo Parma que o havia contratado do Sport Club Internacional e o levado para a Europa em 1990. Assinaria novo contrato naquele dia, mas o carro pifou, e ele ficou na estrada. Foi ali, segundo depoimento dele, que desistiu de jogar pela Seleção. O ano era 2001. Ele ainda jogou na Itália mais duas temporadas até 2003, depois treinou alguns clubes e, em seguida, passou ao cargo de treinador de goleiros do Galatasaray, do Brasil e do Liverpool. Prestou serviços ao time brasileiro por longos 12 anos, feito comparável a Gylmar dos Santos Neves e Émerson Leão, que disputaram três e quatro Copas respectivamente.

A Copa do Mundo de 1998 teve mudanças importantes para o jogo de futebol. Decretada anos antes, a possibilidade de substituição de três jogadores de linha (antes era dois mais o goleiro) permitiu mudanças na dinâmica de jogo. Quanto ao goleiro, já havia o impedimento de apanhar a bola com as mãos, quando recuada por seu próprio time. Isso impôs a necessidade de o goleiro sair chutando. Alguns, como Higuita da Colômbia, abusavam da sorte. Outros, como Chillavert do Paraguai, levaram o trabalho com os pés para lindos gols de falta. E tiveram os goleiros tradicionais, como Taffarel. No torneiro, a França venceu sua primeira Copa do Mundo com Julien Barthez no gol. O ensolarado jogador vestia a camisa 16, raspava a cabeça a zero, tinha uma risadinha constante no rosto e adorava a badalação de namorar modelos como Linda Evangelista. Deixou Lamas na reserva (sim, este era o nome de seu reserva). Foi eleito o melhor goleiro da Copa, e sua regularidade no gol perdurou até a final, num partida em que o selecionado brasileiro literalmente apagou junto com a convulsão de Ronaldo Fenômeno. França 3 x 0 no Brasil. O goleiro brasileiro nada pôde fazer para segurar Zinedine Zidane & Cia.

O Brasil levou p ara Copa do Mundo na França os atletas Carlos Germano e Dida, como reservas de Taffarel. O goleiro do Vasco da Gama jogou apenas nove jogos pela Seleção, conquistou um título de Copa América na titularidade, mas acabou ficando à sombra do prestígio do tetracampeão Taffarel. Dida, atleta do Esporte Clube Cruzeiro em 1998, brilharia, anos depois, nos gramados italianos, defendendo a camisa do Milan. Suas intervenções debaixo das traves entrariam para a galeria das grandes defesas de todos os tempos, comparáveis aos seus contemporâneos Oliver Khan, Peter Cech, Abbondonzieri e Gianlucca Buffon. Seria reserva no penta de 2002 e o titular do gol brasileiro na Copa da Alemanha.

O paradoxo de Taffafel resume-se à seguinte equação: brilhante na Seleção Brasileira (saldo de três Copas jogadas, um título e um vice-campeonato), ele nada conseguiu em seu clube brasileiro de origem, o Sport Club Internacional, sendo lembrado, por outro lado, pelos frangos e outros gols tomados no clássico Gre-Nal. Brilhou, contudo, na Itália, onde puxou a migração de goleiros na Europa. Com o Parma, ganhou dois títulos. Seu ineditismo de ser contratado como goleiro de um time europeu é considerado uma façanha. Anos depois, foi multicampeão na Turquia, onde é ídolo.

O goleiro é um dos jogadores que pode jogar por mais tempo na Seleção, feito novamente comparável aos gigantes Leão e Gylmar. Os campeonatos mundiais estão cheios de arqueiros com idade avançada, próxima dos 40 anos (como no caso do capitão Dino Zoff em 82, erguendo a taça com quatro décadas de vida). O caso é que Taffarel, aos 37 anos, compreendeu, durante viagem numa estrada italiana, que era hora de parar. Na Copa seguinte, o Brasil seria pentacampeão com o palmeirense Marcos no gol.

 Dezembro de 2022

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